sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Os pobres diabos

O universo do circo é recorrente na história do cinema. Talvez por um sentimento de culpa, afinal com a profusão intensa de novas tecnologias como a televisão, o videogame, a internet e também o cinema, o mundo circense passou por maus bocados. Sendo preterido pelo espetáculo mais intenso que estas maravilhas modernas podem oferecer a um público cada vez mais sedento por novidades. Claro que tem as exceções, como o Cirque de Solei e outros, que se renovaram e ainda atraem um vasto público. Só que este é um universo em que tem muito dinheiro por trás destas produções. O circo que Rosemberg Cariry nos mostra é um decadente, que circula o interior do Ceará. Onde os espetáculos não atraem ninguém e os personagens penam para conseguir o mínimo para comer.

A trama começa quando a trupe decide parar numa cidadezinha chamada Aracati. Neste lugar desolado, o cotidiano deles é desnudado e entramos em contato com pessoas que confundem a vida com a arte. Agindo ao modo picaresco dos anti-heróis da literatura de cordel e do romanceiro popular. Vejo ecos de “Bye, Bye, Brasil” de Cacá Diegues. Vemos uma constante fuga da companhia de Lord Cigano (José Wilker) da modernidade. Aqui a TV é um elemento catalizador desta nova era, pois ninguém vai mais ao tradicional circo, preferem as novelas. Os devaneios do protagonista onde ele amaldiçoa o aparelho eletrônico são brilhantes. Nos levando a crer que a arte circense tem sempre que fugir deste turbilhão em busca de áreas não tocadas pela fúria da modernidade. Outra referência clara à obra de Diegues é o número de canto de Creuza (Silvia Buarque), cantando boleros latinos. Muito semelhante ao que fazia Salomé (Bety Faria).  

A direção é elegante e cheia de tons de cores neutras. Apesar de Rosemberg Cariry ter lançado seu
primeiro longa-metragem em 1993, esta é apenas sua 5ª obra. Onde atinge com primor a descrição dos bastidores do circo. Auxiliado pela maravilhosa fotografia de Petrus Cariry, vemos cenas muito belas daquela feia cidadezinha perdida. O formato de gravação em cinemascope dá uma ótima sensação de grandeza num ambiente intimista. Incrível como cada elemento é bem remanejado para caber com perfeição neste formato.


Apesar dos méritos técnicos, a melhor parte do filme são os atores. Como é bom ver uma equipe sintonizada nos mínimos pormenores, a química é extraordinária. Afinal é muito difícil reunir num só filme talentos como Chico Diaz, Everaldo Pontes, Gero Camilo e Silvia Buarque. Cada um circula pela tela com todos os seus desejos e frustrações. Tendo em comum o amor por esta arte decadente. A conversa final, depois do clímax do incêndio, é um ponto alto do cinema brasileiro deste século. “-Temos que continuar. – Mas quem vai nos assistir?”. E cada um segue caminhando por uma direção dos destroços da grande lona. É como se a mensagem também fosse direcionada ao filme de arte. Quem nestes tempos corridos e frenéticos vai parar para contemplar uma película com estas características? Ainda bem que tem festivais com o o de Brasília para nos oferecer este tipo de espetáculo intimista. 

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