quarta-feira, 20 de março de 2013

A rápida aparição de Bielinsky


Ele foi um mistério, a sua morte prematura nos deixa a curiosidade do que faria com a sétima arte se ainda estivesse vivo. O domínio que possuía dos elementos cinematográficos é de surpreender até o cinéfilo mais experiente. Fabián Bielinsky, nascido em 1959 em Buenos Aires, morreu de um ataque cardíaco em São Paulo em 2006, enquanto fazia uma seleção de elenco para a gravação de um comercial. Desta brilhante nova geração de diretores argentinos que surgiu na última década, ele era um dos mais inovadores. Com apenas dois filmes no currículo, Nove Rainhas (2000) e A aura (2005), ele entrou na história do cinema argentino. Começou em 1983, com 24 anos, na direção do curta metragem A espera, adaptação de um conto de Jorge Luis Borges. Depois trabalhou na assistência de direção de filmes como O Alambrado (Marco Bechis, 1991) e O segredo dos Andes (Alejandro Azzano, 1999). Voltando a encabeçar uma equipe de filmagens somente aos 41 anos com Nove Rainhas.  

O vigor narrativo de Nove Rainhas

Este é um daqueles filmes de ritmo frenético, a todo instante somos pegos de surpresa em situações que nos deixam boquiabertos devido à mania do diretor de nos “enganar” seguidamente. Quando esperamos um acontecimento, rola algo completamente diferente.

A história começa com o encontro de dois malandros, Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gastón Pauls), que decidem juntar forças para cometer golpes, mas uma oportunidade de algo grande aparece entre eles. A venda de selos antigos conhecidos como Nove Rainhas será a chave para a riqueza de ambos. Ou não? Depois de fazermos um passeio pelo submundo de Buenos Aires, na busca deles de venderem os selos falsificados chegamos a um impasse final, onde o diretor nos revela sua genialidade em contar uma história. Marcos recebe o cheque do valor dos selos e vai para um banco trocá-lo, ao chegar se depara com centenas de pessoas querendo recolher seu dinheiro do local, porém o banco está quebrado. É uma menção à crise econômica que assolou a Argentina no começo do século. Quando achamos que a história chegou ao final somos pegos de surpresa, ficamos sabendo que todos os personagens do golpe do selo eram contratados de Juan para enganar Marcos, numa vingança arquitetada pela irmã do enganado.

No filme, o diretor nos revela um sutil modus vivendi argentino, sentimos uma transpiração constante do que é ser argentino neste novo século. Bielinsky desenvolve esta idéia em entrevista a Folha de São Paulo de 15/06/2001 para a jornalista Silvana Arantes:

"Não quero com esse filme afirmar que sejamos o tempo todo um povo com esse espírito. Mas seguramente ele representa algo de nós. Não somos só isso e nem todos somos assim. Os portenhos talvez correspondam mais a esse retrato. Certamente as pessoas viram que o filme representa um estado de ânimo, uma sensação que às vezes temos de que todos nos mentem, de que o que prevalece é o "salve-se quem puder" e o cinismo absoluto".

O filme foi um êxito comercial na Argentina, levou mais de um milhão de espectadores para as salas de cinema. O projeto só foi possível graças ao prêmio que ele recebeu em 1998 no concurso de novos talentos organizado pela produtora Patagonik Film Group, o que lhe permitiu realizar seu filme de estréia. O sucesso internacional também foi grande, tanto que o roteiro foi vendido para Hollywood, resultando no filme Criminal (2004), que no Brasil recebeu o nome de 171, protagonizado por Diego Luna e John C. Reilly.


Consolidação de um estilo

Depois de cinco anos parado depois que finalizou Nove Rainhas, Bielinsky voltou a dirigir em 2005 o aclamado A aura. O filme obteve 6 prêmios no Festival Condor de Prata, um dos mais importantes da Argentina. Novamente trabalhando com Ricardo Darín, agora como o taxidermista Esteban Espinosa. O protagonista é um epilético fissurado nos detalhes, sempre fantasiando sobre possíveis assaltos a bancos. O diretor retoma alguns elementos narrativos do seu 1º longa-metragem, como brincar com o que real e o que é imaginação, sendo que ambos possuem a mesma categoria, relegando ao telespectador a espera para saber o que realmente acontece ou não. 


Esteban é convidado pelo amigo Sontag (Alejandro Awada) a ir fazer uma caçada em Bariloche, inicialmente ele recusa, mas depois aceita o convite. Mas ele é sempre pontuado pela sua personalidade introspectiva, o que o leva a ser um sujeito distante, como percebemos em sua relação com Sontag, sua mulher e outros personagens do filme. Curiosamente ele só consegue manter algum tipo de relacionamento amistoso com a mulher do Dietrich. Mas voltando à história, eles chegam a Bariloche, mas descobrem que não há mais vagas nos hotéis, são então orientados a irem para um lugar distante onde são alugadas cabanas e armas. O local pertence a Dietrich, e lá moram sua esposa e seu cunhado. Ao saírem para fazer uma caçada, o taxidermista mata por acidente Dietrich e descobre por acaso um plano de assalto para o hotel mais luxuoso da região. Se fazendo passar de cúmplice do morto, ele convence os outros membros do bando a realizar o assalto com a participação dele. Dando início a uma alucinante sequência de acontecimentos que termina da forma mais inesperada.

Cinema autoral

Os recursos da sétima arte usados pelo diretor são de alta inventividade, um exemplo é quando é representada a epilepsia do protagonista. Primeiro escutamos um som agudo, depois a câmera fica lenta e depois vem um clarão branco e no momento seguinte ele acorda e ocorre um zunido. O uso livre e espontâneo destes recursos eleva Bielinsky a um diretor não só de alto nível local como de nível mundial. Ao ser indagado pelo repórter Diego Lerer do El Clarín em 13/05/2005 sobre a complexidade do filme revelou:

“Em Nove Rainhas eu queria ser mais funcional com a história. A trama era tão forte que o estilo não devia molestar. Com A Aura me pareceu que era uma melhor oportunidade para trabalhar sobre algumas idéias postas na cena, de iluminação e de som. E pensar que em todo o filme segue seu ponto de vista e isso te obriga que em certas seqüências, em vez de observá-la em sua totalidade, como em um filme tradicional, tenha que permanecer no lugar de Darín.”

sexta-feira, 8 de março de 2013

A caverna dos sonhos esquecidos


A tecnologia 3D no cinema ainda é uma técnica cara, o que significa risco zero para os produtores cada vez mais caretas de Hollywood. Sendo assim temos filmes que tem um visual espetacular, mas histórias sem consistência. O caso clássico é Avatar, a maior bilheteria de todos os tempos no fundo é uma mistura de Pocahontas com seres de outro planeta com tecnologia inferior que a nossa. Mas as possibilidades do 3D são tantas que diretores de respeito tem começado a se aventurar nela com desenvoltura, por exemplo, Martin Scorsese com Hugo Cabret e Wim Wenders com Pina. O filme em questão desta crítica foi feito por outro mestre do cinema, Werner Herzog. Que com A caverna dos sonhos esquecidos faz seu debut nesta tecnologia.

O alemão decidiu utilizar a técnica ao conseguir do ministro francês rara permissão para registrar o interior da Caverna Chauvet, que foi descoberta por acaso na França em 1994 por três espeleólogos em busca de cavernas na região. Ela foi soterrada há cerca de 20 mil anos. O que manteve intacto o universo de homens da caverna que começaram a usá-la como espaço de pintura há cerca de 32 mil anos, sendo as mais antigas já encontradas. A qualidade das pinturas é algo extraordinário, como se naquele espaço estivesse sendo criado o espírito do homem moderno.

A escolha de Herzog foi acertada, como a maior parte da parede é inclinada, temos a profundidade exata das pinturas. É incrível como somos levados para o interior do espaço com um realismo que nos deixa em transe, é como se de fato estivéssemos lá dentro. A força das imagens e a narração em off do diretor nos dão uma noção exata do tanto que o local é especial. Pois segundo especialistas não era usada como casa e sim como um tipo de templo. Onde as pessoas se reuniam no escuro para ver as pinturas, que com o jogo de luz das fogueiras, dava uma sensação de movimento das figuras, o que Herzog define como um proto-cinema. São estes tipos de comentários que dão força ao documentário, há todo instante somos apresentados a teorias (às vezes malucas) do que motivava estes primeiros homo-sapiens a pintar as paredes da caverna. Assim somos levados à profunda erudição do diretor, que fez tantos clássicos da 7ª arte, Aguirre, a cólera dos deuses, Fitzcarraldo e O enigma de Kaspar Hauser, só para citar alguns deles.

Vendo este direcionamento dado ao 3D me dei conta do tanto que esta tecnologia pode ser usada para outras áreas que não o cinema. A educação iria ser revolucionada com a sua  aplicação, fico imaginando uma aula de história com as ruínas do Egito e da Grécia antiga, em vez dos chatos slides e fotos de livros, os alunos teriam sua atenção captada pela maravilha que é o mundo em 3D. Talvez um dia esta energia possa ser redirecionada para esta área.

No término da sessão senti algo que há muito não sentia no cinema, uma conexão com a pequenez da nossa noção de tempo. Os 5 mil anos que a caverna foi sendo continuamente pintada são inimagináveis para nossa percepção moderna do tempo, onde as coisas passam tão rápidas que um tempo histórico como a Revolução Francesa, que ocorreu há “apenas” 224 anos, parece uma eternidade para nós. Isso é o grande cinema, aquele que te faz imaginar e refletir sobre o que é nossa passagem tão curta por este planeta. E Herzog, com sua maestria típica de cineasta contestador, nos leva a essa reflexão com louvor. Vale ir ao cinema ver A caverna dos sonhos esquecidos, pois é um grande acontecimento da 7ª arte de nosso tempo. A união perfeita entre o espetáculo e a reflexão, infelizmente muito pouco usada no cinema atual. 

sexta-feira, 1 de março de 2013

Argo

Argo foi o arrasa quarteirão da temporada. Ganhou os principais prêmios do ano, incluindo o Melhor Filme do Oscar e do Globo de Ouro. A história se passa nos traumáticos dias em que os funcionários da embaixada americana no Irã ficaram seqüestrados por 444 dias, logo após a eclosão da Revolução Islamita que tomou o poder em 1979. O caso mexeu tanto com os EUA que muitos analistas apontam este desgaste como uma das principais razões da não reeleição de Jimmy Carter na eleição de 80. Porém o foco está não na embaixada, e sim em 6 funcionários que conseguiram escapar durante o começo do tumulto e se refugiam na casa do embaixador do Canadá. É aí que entra o agente especial da CIA, Tony Mendez. Interpretado por Ben Affleck, que é diretor, produtor e protagonista do filme. Durante reuniões na agência de espionagem tem um insight de se passar por produtor de um filme de ficção científica em busca de locações no Irã, arrumando assim a desculpa perfeita para poder retirar os 6 americanos de lá. 


Este é o 3º longa que Affleck dirige, os outros foram Medo da verdade (2007) e Atração Perigosa (2010). Trabalhos que passariam despercebidamente se o diretor não fosse o ator famoso que é. A película de 2010 tem um ritmo super previsível, acabando no final feliz tão comum ao que Hollywood produz. O tipo de obra que te conta tanto, com tantas imagens frenéticas, que não te dá espaço para aquele devaneio esclarecedor que temos durante uma obra-prima. Por isso que na minha opinião achei exagerado aquele fuzuê todo em cima do fato dele não ter sido indicado na categoria de Melhor Diretor. Claro que a atual geração não é lá essas coisas, mas ele não tem cacife para ficar “chatiadinho” com a Academia, demonstrado isso publicamente no discurso do recebimento do prêmio que ganhou pela direção no Globo de Ouro. 

Voltando ao que interessa, podemos resumir o grande vencedor do Oscar em uma grande “patriotada”. Os americanos são retratados apenas como vítimas, sem nenhuma reflexão séria das circunstâncias históricas do que foi aquele agulheiro que eles se meteram. A única sinalização foi uma animação nas primeiras cenas do filme, mas que apenas informa, não induz ao raciocínio. Os iranianos são retratados como fanáticos religiosos sanguinários, o que em parte é verdade, mas o filme não tem nenhum personagem do lado de Teerã para balancear as motivações que estavam enraizadas naquele povo para fazer o que fez. O que daria uma riqueza de interpretações, mas este não é o objetivo do grande cinema americano. Por isso que fiquei curioso quando li que o governo dos Aiatolás pretende fazer uma película com o mesmo tema em resposta, só que agora na visão deles. Deve virar uma porcaria ideológica, mas só de ver o que eles pensavam sobre aquilo, vai valer o ingresso (ou o download da internet). 

Este trabalho de Affleck não chega a ser ruim, mas possui uma condução tão careta que às vezes irrita. A cartilha tá toda lá: o uso emocional da música, o protagonista que tem que se focar no trabalho para dá um tempo nas preocupações na família, o plano-contra plano nos diálogos, o heroísmo das instituições estadunidenses. O que foi aquela louvação à CIA? No final quando Tony Mendez conversa com alguém do governo, que o mostra o relatório da CIA de 1 ano antes dos conflitos no Irã, onde estava escrito que não havia nenhuma possibilidade do governo do Xá Mohammad Reza Pahlavi cair. Aí Mendez responde que todo mundo erra. Sem nenhum comentário malicioso sobre a burrice da inteligência na agência. Se fosse Stanley Kubrick dirigindo seria outra história, poucos dramas políticos terão diálogos mais inteligentes que Dr. Fantástico. 

Apesar dos pesares, o filme tem bons momentos. A reconstituição da época (na parte técnica), está impecável. Os atores John Goodman como John Chambers e Alan Arkin como Lester Siegel fazem uma dupla adorável de produtores que ajudam na farsa do filme. Através deles entramos em contato com os bastidores do lançamento de um filme, o que rende boas situações. A tensão quando Mendez simplesmente ignora ordens superiores e decide seguir com o plano de retirar os seis pelo aeroporto dá um brilho ao filme, mas fica meio apelativo quando ele diz para seu chefe que vai fazer isso pelos americanos, que eles estão sob sua responsabilidade. Contudo velhos clichês vem à tona naqueles momentos finais onde o plano vai por água abaixo e eles estão entrando no avião. Naquele clímax tão tradicional que você sabe que eles vão escapar. Pois se tem tragédia no meio, o Oscar também foge. No final das contas mais um filme feito ganhar o Oscar que não está à altura dos tempos áureos da premiação. Vai ser mais um trabalho razoável a ganhar o Oscar, na mesma categoria de outros medianos laureados com o prêmio máximo, como Quem que ser um milionário? e Crash – No Limite.