sexta-feira, 8 de março de 2013

A caverna dos sonhos esquecidos


A tecnologia 3D no cinema ainda é uma técnica cara, o que significa risco zero para os produtores cada vez mais caretas de Hollywood. Sendo assim temos filmes que tem um visual espetacular, mas histórias sem consistência. O caso clássico é Avatar, a maior bilheteria de todos os tempos no fundo é uma mistura de Pocahontas com seres de outro planeta com tecnologia inferior que a nossa. Mas as possibilidades do 3D são tantas que diretores de respeito tem começado a se aventurar nela com desenvoltura, por exemplo, Martin Scorsese com Hugo Cabret e Wim Wenders com Pina. O filme em questão desta crítica foi feito por outro mestre do cinema, Werner Herzog. Que com A caverna dos sonhos esquecidos faz seu debut nesta tecnologia.

O alemão decidiu utilizar a técnica ao conseguir do ministro francês rara permissão para registrar o interior da Caverna Chauvet, que foi descoberta por acaso na França em 1994 por três espeleólogos em busca de cavernas na região. Ela foi soterrada há cerca de 20 mil anos. O que manteve intacto o universo de homens da caverna que começaram a usá-la como espaço de pintura há cerca de 32 mil anos, sendo as mais antigas já encontradas. A qualidade das pinturas é algo extraordinário, como se naquele espaço estivesse sendo criado o espírito do homem moderno.

A escolha de Herzog foi acertada, como a maior parte da parede é inclinada, temos a profundidade exata das pinturas. É incrível como somos levados para o interior do espaço com um realismo que nos deixa em transe, é como se de fato estivéssemos lá dentro. A força das imagens e a narração em off do diretor nos dão uma noção exata do tanto que o local é especial. Pois segundo especialistas não era usada como casa e sim como um tipo de templo. Onde as pessoas se reuniam no escuro para ver as pinturas, que com o jogo de luz das fogueiras, dava uma sensação de movimento das figuras, o que Herzog define como um proto-cinema. São estes tipos de comentários que dão força ao documentário, há todo instante somos apresentados a teorias (às vezes malucas) do que motivava estes primeiros homo-sapiens a pintar as paredes da caverna. Assim somos levados à profunda erudição do diretor, que fez tantos clássicos da 7ª arte, Aguirre, a cólera dos deuses, Fitzcarraldo e O enigma de Kaspar Hauser, só para citar alguns deles.

Vendo este direcionamento dado ao 3D me dei conta do tanto que esta tecnologia pode ser usada para outras áreas que não o cinema. A educação iria ser revolucionada com a sua  aplicação, fico imaginando uma aula de história com as ruínas do Egito e da Grécia antiga, em vez dos chatos slides e fotos de livros, os alunos teriam sua atenção captada pela maravilha que é o mundo em 3D. Talvez um dia esta energia possa ser redirecionada para esta área.

No término da sessão senti algo que há muito não sentia no cinema, uma conexão com a pequenez da nossa noção de tempo. Os 5 mil anos que a caverna foi sendo continuamente pintada são inimagináveis para nossa percepção moderna do tempo, onde as coisas passam tão rápidas que um tempo histórico como a Revolução Francesa, que ocorreu há “apenas” 224 anos, parece uma eternidade para nós. Isso é o grande cinema, aquele que te faz imaginar e refletir sobre o que é nossa passagem tão curta por este planeta. E Herzog, com sua maestria típica de cineasta contestador, nos leva a essa reflexão com louvor. Vale ir ao cinema ver A caverna dos sonhos esquecidos, pois é um grande acontecimento da 7ª arte de nosso tempo. A união perfeita entre o espetáculo e a reflexão, infelizmente muito pouco usada no cinema atual. 

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