O
seu estilo não é tão sofisticado como o de Lucrecia Martel, nem possui o
realismo visceral de Trapero. Pode-se dizer que seus filmes estão entre os mais
acessíveis do cinema argentino atual. Apesar dessa aparente suavidade nos
assuntos, nos deparamos com temas que personificam a Argentina de hoje e até de
anos passados como os da ditadura militar (1976-1983). Com é o caso do filme O mesmo amor, a mesma chuva (1999), onde
é feito um acompanhamento dos fatos históricos desde os anos pré-ditadura até
os anos 90 neoliberais do governo Carlos Menem (1989-1999). Passamos pela
ditadura liderada por Jorge Rafael Videla, a guerra das Malvinas (1982), o
governo pós-ditadura de Raúl Alfonsín (1983-1989).
É
assim que podemos observar sutilezas da cultura argentina contemporânea, porém mostrados de uma forma simples e
criativa. Tanto que o 1º filme do Novo Cinema Argentino a explodir de fato nos cinemas e festivais brasileiros
foi O filho da noiva (2001), com três
prêmios em Gramado. Sendo um filme que nos remete à crise econômica dos anos
2000 na figura de um dono de restaurante que vende o estabelecimento para
cobrir prejuízos.
Campanella e a crise
econômica
Nesta
temática serão analisados dois filmes que tratam do assunto de maneira direta. O filho da noiva e Clube da lua (2004). O segundo mais que o primeiro, pois além dos
prejuízos econômicos da crise mostra também uma decadência moral materializada
no péssimo estado do outrora glorioso clube da vizinhança local. Novamente
Ricardo Darín realiza uma parceria memorável com um diretor da nova safra
argentina, depois do sólido trabalho com Fabian Bielinsky, participando das
quatro últimas películas lançadas por Campanella.
Clube da lua é o
seu filme mais consistente, a forma como ele conta nos primeiros minutos do
filme o auge do clube em 1959 é uma das mais belas já feitas na Argentina. Numa
maneira ao estilo Federico Fellini (1920-1993) ou Ettore Scolla (1931). Somos
por ela apresentados ao nascimento de Román no meio de um show de tango no
clube, cujo parto é feito pelo cantor do espetáculo. Outro ponto alto da
representação da época é quando o mestre de cerimônias fala a frase “este é o
tipo de coisa que só acontece no nosso querido clube”. Aí ocorre uma fusão da
imagem com o mesmo salão já decadente no ano de 2003.
O
clube recebe então uma multa impagável e pela sua situação econômica ruim os
membros são tentados a vender o tradicional clube. É quando entra a figura de Alejandro
(Daniel Fanego), que consegue um comprador para o estabelecimento que além da
compra ofereceria 200 postos de trabalho aos sócios. É muito sutil a maneira de
a crise ser representada, sentimos sempre ela pairando no ar, como quando pela
amiga carente da filha de Román, pela compra do perfume barato no lugar do
Calvin Klein importado de outrora, a viagem do filho Darío (Francisco Fernández) para
a Espanha. Respiramos a crise a todo instante através do empobrecimento da
população.
O espírito do tempo
Outra
característica marcante do diretor é a maneira como ele representa fatos
históricos da Argentina. Além da já citada crise econômica, ele nos põe em
contato também com outros acontecimentos da história da segunda metade do
século XX na Argentina. Como é o caso de O
mesmo amor, a mesma chuva. Acompanhamos a história de Jorge (Ricardo
Darín), que vai de 1974 até os anos 90. Deste ponto de partida passamos pela
ditadura (1976-1983), o mandato do presidente Alfonsín e depois os anos
neoliberais de Carlos Menen. Só que mantendo o mesmo distanciamento dos outros
filmes, isto é, não existe uma militância explícita dos personagens, eles
sentem os abusos históricos, mas não tem uma postura clara de enfrentamento.
O
escritor Jorge nos fornece um material riquíssimo de análise do modo de ser do
argentino da época pelo cotidiano da revista onde trabalha. Toda vez que o
espírito nacionalista do país aparece, o local de trabalho de alguma maneira o
transmite, como foi no caso do entusiasmo pela guerra das Malvinas e a
posterior depressão pela derrota. Outro fato marcante é durante o governo
Menem, com Jorge se entregando aos impulsos neoliberais ao cobrar de um diretor
de teatro dinheiro para fazer uma crítica positiva na revista para ele
conseguir um bom público.
Como
pano de fundo da história tem o relacionamento conturbado dele com Laura, papel
muito bem representado por Soledad
Villamil, que dá ao filme uma leveza contagiante.
Diálogo com o cinema
americano
Campanella
utiliza de elementos “caretas” para contar uma história se o compararmos com
outros diretores argentinos. Por exemplo, podemos citar o fato dele raramente
usar câmera na mão. Nos diálogos impera a troca de planos apenas entre plano e
contra-plano, isto é, quando um fala, a câmera o foca e quando o outro fala,
tem um corte seco e a câmera muda para ele. Outro diálogo visível é no uso da
música. Bem no estilo do cinema americano tradicional, pouco afeito a inovações
técnicas.
Tanto
que ele já trabalhou como diretor em várias séries americanas como House M.D, Lei e Ordem e 30 Rock.
Este diálogo com a televisão também aconteceu com a de seu país como em séries
como em Ventos de águia (2006) e El Hombre de tu vida (2011)
Mas
isso não tira seu brilho, um dos mais talentosos da nova geração. Tanto que um
das primeiras películas desta safra a explodir no Brasil foi O filho da Noiva. Filme que tem o trunfo
de nos encantar a todo instante apesar do clima pesado da crise econômica do
começo do século XXI. Mas é essa a grande habilidade do diretor, de temas a uma
primeira visão pesados, para aparecer na tela um universo encantador.
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