O cinema é a arte que
melhor representa o século XX. Os grandes eventos que balançaram o século
passado estão sempre de alguma forma representados nos 24 quadros por segundo
que é uma película. Muitos dos nossos sonhos, frustações, conflitos e anseios
estão representados nas telas. Partindo desta premissa Siegfried Kracauer
escreveu em 1947 o livro De Caligari a
Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. A Alemanha depois da
derrota na 1ª guerra entrou num caos social e político poucas vezes visto na
história, que acabou com a ascensão de Hitler e do partido nazista em 1933. Na
verdade o livro começa antes, é um verdadeiro passeio pela história do cinema
alemão. Vai desde os primórdios da produção cinematográfica do país, sempre
buscando demonstrar a tríplice relação entre público, contexto histórico e os
filmes.
Kracauer tem como ponto de
partida a noção de que o cinema reflete a mentalidade de uma nação de uma
maneira mais direta que qualquer outra arte. As razões de tal afirmação são
duas segundo ele. A primeira é de que os filmes nunca são produtos de um só
indivíduo. O caráter coletivo é uma das marcas desta arte. O processo produtivo
passa por várias cabeças e departamentos. A segunda é de que os filmes são
destinados, e interessam às multidões anônimas. O que indica que de alguma
maneira o diretor tem que agradá-la, pois como é caro produzir um filme é
necessário um respaldo da bilheteria. Desta simbiose de intenções e gestos
surge este poderoso meio de comunicação que mostrou (e antecipou) como o povo
alemão de alguma maneira precisava de um líder que pudesse unir a nação. Os
exemplos são muitos, Kracauer cita que o tipo de cinema feito nos EUA (onde os
heróis são quase sempre individualistas e seguros de si) não fazia muito
sentido para o público alemão. Mais pautado na coletividade e submissão às
autoridades. Esta é uma das grandes contribuições do alemão. Se você quiser
conhecer melhor um povo, veja seus filmes.
Através do tempo houve pessoas que fizeram
críticas ao método do autor. Uma marcante foi uma entrevista que Fritz Lang deu
em 1959 para a célebre revista Cahiers du
Cinéma. Nela o diretor de Metrópolis diz:
“Eu conheço um homem chamado S. Kracauer que
escreveu um livro, De Caligari a Hitler. Sua
teoria é absolutamente falsa. Ele procurou todos os argumentos para provar a
verdade de uma teoria falsa. Por este motivo, me esforcei em dissuadir a
juventude de hoje de acreditar na verdade de um livro que contém tantas
idiotices”
(Cahiers
du Cinema n°99, pp. 1-9)
Apesar
das duras palavras deste ícone do expressionismo alemão não podemos deixar de
lado as interessantes análises suscitadas do livro. Talvez a birra de Lang
venha das críticas pouco amistosas de seus filmes feitas no livro. Para
Kracauer, Lang era uma figura talentosa, mas menor que seus pares. Dizendo
veladamente que talvez essa fosse a razão dele ter demorado tanto a ser
convidado a trabalhar nos EUA, bem depois de nomes como Friedrich Wilhelm
Murnau e Ernst Lubitsch.
Ele realmente pode ter exagerado em alguns
pontos e realmente ter forçado demais suas interpretações para se encaixarem na
sua teoria. Mas uma coisa não pode ser negada, o livro é um trabalho rígido de
crítica cinematográfica, um marco para quem quiser se familiarizar com os
bastidores da UFA, a “Hollywood” alemã da época. Os gêneros e roteiristas, a
relação com a pintura e o teatro expressionista. Como o ministério da
propaganda nazista se apropriou da UFA para fins próprios.
Nesta rica fonte de pesquisa podemos
conhecer por completo os grandes filmes da época. Um dos movimentos mais
profícuos da história do cinema. Estilo que influência diretores até hoje.
Ainda mais com o êxodo de vários cineastas alemães, o que encheu Hollywood da
mais alta qualidade cinematográfica. Gêneros como o noir e o de gangster nunca
teriam atingido o mesmo brilho sem o uso incrível da fotografia escura e das
sombras do expressionismo. O gabinete do dr.Caligari de 1917 é uma destas joias
analisadas por Kracauer. O filme de 1917 é um dos marcos do movimento. Por
intermédio dele sabemos dos pequenos detalhes da produção e das intenções
frustradas dos roteiristas. Mas ele não se prende somente nas obras que
atingiram destaque internacional.
Apesar do tom crítico o
livro é uma ode para aquela Alemanha tão criativa da República de Weimar. Pois
para a ideologia nazista a arte contemporânea era degenerada. Mas antes desde
época sombria para a Alemanha artistas como Bertold Brecht, Kurt Weill, Fritz
Lang, Billy Wilder, Paul Klee e escola de arte e arquitetura da Bauhaus eram
alguns dos elementos que circulavam por esta época mágica da cultura alemã.
Pois como o cinema era uma arte coletiva, ele não podia deixar de adquirir
vários elementos das outras artes. Após Hitler se tornar chanceler ocorreu um
êxodo destes grandes artistas. E todo o dinamismo foi podado em nome de uma
arte oficial nazista.
Há esse livro em pdf(português)?
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