quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

De Caligari a Hitler - Uma História Psicológica do Cinema Alemão

O cinema é a arte que melhor representa o século XX. Os grandes eventos que balançaram o século passado estão sempre de alguma forma representados nos 24 quadros por segundo que é uma película. Muitos dos nossos sonhos, frustações, conflitos e anseios estão representados nas telas. Partindo desta premissa Siegfried Kracauer escreveu em 1947 o livro De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. A Alemanha depois da derrota na 1ª guerra entrou num caos social e político poucas vezes visto na história, que acabou com a ascensão de Hitler e do partido nazista em 1933. Na verdade o livro começa antes, é um verdadeiro passeio pela história do cinema alemão. Vai desde os primórdios da produção cinematográfica do país, sempre buscando demonstrar a tríplice relação entre público, contexto histórico e os filmes.

Kracauer tem como ponto de partida a noção de que o cinema reflete a mentalidade de uma nação de uma maneira mais direta que qualquer outra arte. As razões de tal afirmação são duas segundo ele. A primeira é de que os filmes nunca são produtos de um só indivíduo. O caráter coletivo é uma das marcas desta arte. O processo produtivo passa por várias cabeças e departamentos. A segunda é de que os filmes são destinados, e interessam às multidões anônimas. O que indica que de alguma maneira o diretor tem que agradá-la, pois como é caro produzir um filme é necessário um respaldo da bilheteria. Desta simbiose de intenções e gestos surge este poderoso meio de comunicação que mostrou (e antecipou) como o povo alemão de alguma maneira precisava de um líder que pudesse unir a nação. Os exemplos são muitos, Kracauer cita que o tipo de cinema feito nos EUA (onde os heróis são quase sempre individualistas e seguros de si) não fazia muito sentido para o público alemão. Mais pautado na coletividade e submissão às autoridades. Esta é uma das grandes contribuições do alemão. Se você quiser conhecer melhor um povo, veja seus filmes.

Através do tempo houve pessoas que fizeram críticas ao método do autor. Uma marcante foi uma entrevista que Fritz Lang deu em 1959 para a célebre revista Cahiers du Cinéma. Nela o diretor de Metrópolis diz:

 “Eu conheço um homem chamado S. Kracauer que escreveu um livro, De Caligari a Hitler. Sua teoria é absolutamente falsa. Ele procurou todos os argumentos para provar a verdade de uma teoria falsa. Por este motivo, me esforcei em dissuadir a juventude de hoje de acreditar na verdade de um livro que contém tantas idiotices”
(Cahiers du Cinema n°99, pp. 1-9)



Apesar das duras palavras deste ícone do expressionismo alemão não podemos deixar de lado as interessantes análises suscitadas do livro. Talvez a birra de Lang venha das críticas pouco amistosas de seus filmes feitas no livro. Para Kracauer, Lang era uma figura talentosa, mas menor que seus pares. Dizendo veladamente que talvez essa fosse a razão dele ter demorado tanto a ser convidado a trabalhar nos EUA, bem depois de nomes como Friedrich Wilhelm Murnau e Ernst Lubitsch.
                    
Ele realmente pode ter exagerado em alguns pontos e realmente ter forçado demais suas interpretações para se encaixarem na sua teoria. Mas uma coisa não pode ser negada, o livro é um trabalho rígido de crítica cinematográfica, um marco para quem quiser se familiarizar com os bastidores da UFA, a “Hollywood” alemã da época. Os gêneros e roteiristas, a relação com a pintura e o teatro expressionista. Como o ministério da propaganda nazista se apropriou da UFA para fins próprios.

Nesta rica fonte de pesquisa podemos conhecer por completo os grandes filmes da época. Um dos movimentos mais profícuos da história do cinema. Estilo que influência diretores até hoje. Ainda mais com o êxodo de vários cineastas alemães, o que encheu Hollywood da mais alta qualidade cinematográfica. Gêneros como o noir e o de gangster nunca teriam atingido o mesmo brilho sem o uso incrível da fotografia escura e das sombras do expressionismo. O gabinete do dr.Caligari de 1917 é uma destas joias analisadas por Kracauer. O filme de 1917 é um dos marcos do movimento. Por intermédio dele sabemos dos pequenos detalhes da produção e das intenções frustradas dos roteiristas. Mas ele não se prende somente nas obras que atingiram destaque internacional.

Apesar do tom crítico o livro é uma ode para aquela Alemanha tão criativa da República de Weimar. Pois para a ideologia nazista a arte contemporânea era degenerada. Mas antes desde época sombria para a Alemanha artistas como Bertold Brecht, Kurt Weill, Fritz Lang, Billy Wilder, Paul Klee e escola de arte e arquitetura da Bauhaus eram alguns dos elementos que circulavam por esta época mágica da cultura alemã. Pois como o cinema era uma arte coletiva, ele não podia deixar de adquirir vários elementos das outras artes. Após Hitler se tornar chanceler ocorreu um êxodo destes grandes artistas. E todo o dinamismo foi podado em nome de uma arte oficial nazista.
            




            

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