Poucas
vezes o cinema feito nos Estados Unidos foi tão ousado e inovador quanto o
período que vai de meados de 1967 até o começo dos anos 80. O movimento que a
imprensa classificou de Nova Hollywood foi o celeiro de talentos como Brian de
Palma, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Hal Ashby, Michael Cimino e
tantos outros. Uma das características mais marcantes desta geração foi uma
capacidade extraordinária de conexão com o seu tempo histórico. Enquanto o
velho sistema de estúdio de Hollywood estava ruindo com fracassos monumentais
de bilheteria como foi o caso de Cleópatra
de 1963, uma nova geração que bailava no tom da contracultura não se via
identificada naquele tom insosso que os grandes estúdios engessaram nas
películas. Comportamentos hoje considerados normais não eram mostrados, um tipo
de tabu que não estava conectado com os anseios da geração de 60.
Se
diz que as grandes oportunidades estão nos momentos de crise e ruínas. Foi
justamente neste cenário de terra arrasada que estes jovens diretores (muitos recém-saídos
das faculdades de cinema que então estavam se inserindo com mais consistência
no mundo acadêmico) entraram no mercado de filmes como representantes
autênticos do que pensava este novo cidadão americano. Suas bases teóricas
estavam calcadas mais nas novas experiências europeias como a Nouvelle Vague e
o Neorrealismo italiano que a linguagem clássica do cinema americano. Não que
isso signifique uma recusa completa aos cânones americanos, como mostram as
constantes referências a mestres como John Ford, Howard Hawks e John Huston.
Há
uma passagem sensacional no livro Como a
geração do sexo, drogas e rock’n’roll salvou Hollywood do jornalista Peter
Biskind que mostra os percalços desta nova geração em inserir suas ideias num
ambiente afundado em velhos conceitos. Biskind relata como Warren Beatty teve
que implorar para Jack Warner (chefão do Estúdio Warner) para que o hoje
clássico Bonnie & Clyde – uma rajada
de balas fosse financiado, testemunhas dizem que o ator teve até que se
ajoelhar. No fim o magnata do cinema pensou, com tantos problemas financeiros e
as pessoas cada vez menos indo para o cinema. Por que não fazer um filme com
baixo orçamento? Com baixo risco e com um ator que estava principiando uma
bem-sucedida carreira protagonizando e produzindo. Pelo menos o dinheiro
investido seria recuperado. Não sabia ele que uma revolução estava começando.
Bonnie & Clyde – uma
rajada de balas é um filme muito fora dos padrões do
momento. Baseado na vida de um casal fora da lei que desafiou a polícia nos
anos 20 foi uma analogia sensacional com os sentimentos dos jovens da época. Os
protagonistas fogem pelos EUA roubando bancos numa busca que vai além do
dinheiro. Como se eles não se encaixassem em lugar nenhum. Seus inimigos são as
pessoas integradas ao sistema. Instituições como a polícia e os bancos não
podiam aceitar que dois jovens pudessem levar uma vida assim e sair impunes. A
reação brutal não tarda a chegar e eles são mortos numa cena, que apesar da
violência da rajada de balas que recebem, é de uma beleza imensa.
Para
surpresa de todos, até para o próprio Warren Beatty, o filme foi um sucesso de
público e crítica. Cinemas lotados mostravam a disposição do público em filmes
com temáticas mais pesadas que os agridoces filme médios americanos. Daí é
importante deixar visível o importante papel da crítica em validar este novo
movimento. Pauline Kael (1919-2001) foi uma crítica que trabalhou no The New
York Times de 1968 a 1991. Seu estilo de escrita influenciou toda uma geração
de críticos. Às vezes achamos que se um filme é bom por si só ele irá conseguir
seu espaço. O cinema não é algo matemático e muitas vezes há obras que apesar
de serem muito boas são muito à frente do seu tempo e não conseguem o
reconhecimento merecido. Bonnie &
Clyde teve a sorte de ser reconhecido por alguém do poder de influência de
Kael. O que abriu muitas portas para esta geração.
Easy
Rider: uma geração sobre duas rodas
Com
o sucesso desta temática mais pesada nos leva ao passo seguinte: Easy Rider. Dirigido por Denis Hopper,
ator de westerns que quis virar também diretor, é uma representação magnífica
do que é ser um jovem sob a influência destes anos loucos. Dois caras com seus
20 e poucos anos, que não conseguiram se encaixar no sistema viajam pelos
Estados Unidos em motos em busca de uma essência perdida nos grandes centros
urbanos. A música da abertura não podia ser outra, a canção Born to the wild de Steppenwolf é um
espelho dos anseios de toda uma geração. A América cada vez estava aceitando
este novo estilo de filmar e da escolha insólita nos temas.
Com
a contracultura cada vez mais ditando as cartas. Passamos a ver drogas,
delinquência juvenil com uma análise diferente do paternalismo de antes. Até
gêneros canônicos passarem a ser desconstruídos, até o western passou a ter uma
linha menos clara entre os mocinhos e os bandidos.
Voltando
ao livro de Biskind, ele faz um recorte temporal preciso de quando começou e
terminou. O filme citado acima foi o precursor em 1967 até Raging Bull (Touro Indomável) de Martin Scorsese em 1980. Época que
segundo ele os filmes perderam a liberdade e temas insólitos deram uma sumida
das telas. Afinal era época dos grandes blockbusters como os que Steven
Spielberg e George Lucas inundaram as telas oitentistas. Uma ironia foi que
eles se utilizaram bastante da nova estética reinante e depois criaram algo
mais engessado feito sob medida para a indústria voltar a ganhar rios de
dinheiro, vide os sucessos espetaculares de Star
Wars, E.T. – o extraterrestre, Indiana Jones, Tubarão. Mas este é um
assunto que voltarei mais adiante.
O
clima dos grandes estúdios de Hollywood é bem descrito por Biskind na seguinte
passagem:
A Nova Hollywood implica, é claro, a existência de uma
Velha Hollywood. Em meados dos anos 60, quando Bonnie e Clyde e a A primeira
noite de um homem estavam sendo gestados, os estúdios ainda estavam nas
mãos – crispadas pelo rigor mortis –
da geração que inventara o cinema. Em 1965, Adolph Zukor, com 92 anos,e o
apenas ligeiramente mais jovem Barney Balaban, de 78, ainda faziam parte da
diretoria da Paramount. Jack Warner, de 73 anos, ainda chefiava a Warner Bros.
Darryl F. Zanuck, de 63 anos, estava firme no comando da 20th Century Fox.
(BISKIND. 2007, p. 16 e 17)
Não
foi uma surpresa que Hollywood demorou tanto para entender o que estava
acontecendo nos Estados Unidos. Temas antes proibidos como a Guerra do Vietnã,
pacifismo, perigo das armas nucleares, passaram cada vez mais a ser parte do
dia a dia das pessoas. Não estar conectado com estes novos tempos causava
prejuízo e era preciso reverter este quadro.
Com
noção de todo o risco de cometer injustiças vou traçar o perfil de cineastas
que foram a mais completa tradução deste momento tão profícuo da história do
cinema americano.
Francis
Ford Coppola
O
diretor nasceu em Detroit em 1939, cresceu no bairro do Queens em Nova York. Com
apenas 24 anos produz Demência 13.
Filme de terror produzido pela lenda do gênero Roger Corman chamou a atenção
para o então jovem diretor. A trilogia O
poderoso chefão (principalmente o 1° e o 2°) é um dos filmes mais icônicos
da segunda metade do século XX. A saga da família Corleone é contada de uma
maneira magistral. Faturou duas palmas
de ouro de melhor filme em Cannes por A
conversação em 1974 e por Apocalypse
Now em 1979. No Oscar levou a estatueta de melhor diretor em 1975 por O poderoso chefão II.
Terrence
Malick
Diretor
bissexto, tem apenas 7 longas no currículo. Por discordâncias com a indústria
do cinema fica de 1978 a 1998 sem dirigir nenhum filme. Diferente de outros
nomes da época não entrou na direção por meio de alguma universidade de cinema.
Sua formação superior foi em filosofia, conseguindo em 1965 o diploma da
Universidade Harvard. Estreia nos longas-metragens em 1973 com Badlands. Em 1979 recebe a palma de ouro
de melhor diretor por Cinzas no paraíso.
Robert
Altman
Com
carreira bem-sucedida na televisão decide arriscar no cinema. Mas foi com M.A.S.H de 1970 que conseguiu
notoriedade. A comédia se passa na Guerra da Coréia nos anos 50, porém com um
tom farsesco e anárquico. Sob a ótica de cirurgiões, nada escapa às ácidas
ironias. A hierarquia militar e a falta de sentido da guerra são alguns dos
alvos.
Após
dirigir clássicos como Onde os homens são
homens (1971), Nashville (1975) e
3 Mulheres (1977) durante os anos 70
coleciona alguns fracassos comerciais que o deixam meio afastado das grandes
produções. O que o leva de volta para a televisão em diversas produções dos
anos 80. Porém tem o seu valor novamente reconhecido com Van Gogh – vida e obra de um gênio (1990) e principalmente com O jogador (1992). Continua ativo até o
ano de sua morte em 2006.
Martin
Scorsese
Um
dos mais populares, teve uma obra quase impecável. Alguns fracassos de crítica
e público, mas tem no currículo filmes que se tornaram verdadeiros ícones da
cultura americana. Taxi Driver, Touro
Indomável e Caminhos perigosos
são obras que representam bem o estilo de filmes da época. Com o ator Robert de
Niro, seu parceiro habitual, tipos loucos da sociedade são exibidos na tela. O
motorista de taxi é a encarnação de um tipo integrante de uma sociedade suja e
paranoica que vira um justiceiro louco. Taxi
Driver é arrojado e inovador, um autêntico filme de autor. Continua sua bem
sucedida carreira fazendo inclusive filmes em 3D, como foi o caso de A invenção de Hugo Cabret, ainda arranja
tempo para bons projetos para o canal de televisão HBO. Como foi o caso de Boardwalk Empire (2010) e Vinyl (2016).
Brian
de Palma
Exibindo
curtas desde 1960, em 1968 decide se aventurar nos longas com Muerder à la mod. Sua obra quase sempre
está permeada por assassinatos e desordem psíquica. Tem como grande ídolo
Hitchcock, que serve de inspiração para filme como Trágica obsessão (1976) e Vestida
para matar (1980) que são exemplos de reverência ao estilo do mestre do
suspense.
Como
toda lista de melhores é injusta, sigo com o nome de outros diretores que foram
essenciais para a Nova Hollywood.
Michael
Cimino
O Franco Atirador (1978);
Portões do Paraíso (1980)
Monte
Hellman
Corrida sem fim (1972),
Galo de briga (1974)
Hal
Ashby
Ensina-me a viver (1971);
A Última Missão (1973)
Peter
Bogdanovich
A última sessão de cinema
(1971); Lua
de Papel (1973)
William
Friedkin
Operação França (1971);
O exorcista (1973)
John
Milius
O vento e o Leão (1975);
Amargo Reencontro (1978);
Paul
Schrader
Vivendo na corda bamba (1978);
Hardcore – No submundo do sexo (1979)
Auge
Os
anos de 1972 e 1973 foram mágicos para esse grupo. Um verdadeiro ano de
afirmação com feitos que o inseriram de vez no cenário das grandes produções.
Sendo verdadeiros salvadores de uma indústria que vinha capenga e decadente. O
sopro de vitalidade destas obras cinematográficas rendeu muito dinheiro para os
estúdios. O Poderoso Chefão I, Operação
França, A última sessão de cinema eram campeões de bilheteria. O retorno
financeiro era muitas vezes maior que o que foi investido.
A
indicação de atores e diretores associados ao movimento deu um grande
prestígio. Estes foram outros sucessos de bilheteria marcantes da época: O exorcista, Klute, Carrie - A estranha,
All that jazz – o show deve continuar.
Decadência
O
clima receptivo dos anos loucos da geração de 68 foi diminuindo cada vez mais.
Fatores como a eleição de Ronald Reagan em 1981, o ambiente não era mais tão
liberal e o grande público acabou virando as costas para aqueles filmes
obscuros e com personagens sombrios e solitários. Esta foi a época onde a
indústria conseguiu absorver vários elementos inovadores, só que engessou em
muitos outros aspectos. Os filmes de George Lucas e Steven Spielberg foram
essenciais para o reerguimento dos magnatas do setor. O filme não era mais apenas
um filme. Era também toda a linha associada de produtos que saiam na esteira do
lançamento. Brinquedos, bonés, bonecos, camisas e até jogos eletrônicos eram
uma nova maneira dos estúdios e os associados ganharem muito dinheiro.
Porém
este não era o estilo daqueles filmes enigmáticos. Era necessário toda uma
imaginação fantástica para criar seres que além de estarem nas telas tinham que
virar produtos comerciáveis. Star Wars, apesar de todas as suas qualidades, não
é um trabalho profundo. Mas era sob medida para estes novos parâmetros, sendo
um dos maiores campeões de bilheteria. Exemplo seguido por Indiana Jones, Tubarão e E.T –
o extraterrestre. Apesar de terem bebido da fonte foram os artífices da
nova hollywood depois do furacão da Nova Hollywood. George Lucas tem dois filmes
interessantes feitos antes da fama que veio com Star Wars. THX 1138 (1971)
é uma ficção científica intimista com uma proposta bem diferente da franquia de
sucesso que criou depois. Loucuras de
verão (1973) tem um teor nostálgico que encanta a todos ao descrever as
aventuras de jovens em uma pequena cidade
do interior da Califórnia. Já Spielberg chamou atenção com um filme
independente chamado Encurralados (1971).
Não que eles sejam traidores ou algo do tipo. Mas o cinema ficou muito mais
infantilizado e raso quando a mentalidade deles conseguiu a hegemonia dos
corações e mentes de Hollywood.
Fernando
Mascarello, organizador do livro História
do cinema mundial faz uma boa análise deste momento de transição.
Tomados em
conjunto, os três blockbusters de Spielberg, Lucas e Badham introduzem um
sem-número de elementos que pautarão a estratégia econômica da Hollywood
pós-1975. Do ângulo do consumo, ainda que se mantenha e refine a ideia da segmentação,
a indústria descobre no público adolescente e juvenil do período – o da
apolítica geração pós-contracultura – o seu novo cliente massivo (que, em
breve, será esmagadora maioria) no circuito primário de exibição.
(MASCARELLO. 2012, p. 346)
Outro
fator que contribuiu bastante para a queda foi o fracasso monumental de O Portal do Paraíso em 1980. O diretor
Michael Cimino, morto este ano aos 77 anos, lançou um western intimista que
tinha a duração original planejada de mais de 5 horas. Com os cortes dos
produtores ficou em 2 horas e meia na versão final. O filme custou cerca de 45
milhões de dólares (o que em valores atualizados seria perto de 200 milhões),
porém a bilheteria foi um desastre. Apenas 1,5 milhão de dólares em valores da
época foi arrecadado. Resultando na falência da United Artists, produtora que
deu uma grande contribuição para o movimento. Apesar de ter se consagrado
ganhando o prêmio de melhor diretor e o de melhor filme no Oscar de 1978 por O franco atirador, entrou em desgraça. Dirigindo apenas mais 4 longas em sua
vida.
Quem
dá uma boa outra versão para o fim é Luiz Carlos Oliveira em artigo assinado
para o catálogo da mostra Easy Riders – o
cinema da Nova Hollywood. Ele diz que :
Com o fim do
governo Jimmy Carter e de sua política de paz: a década de 80 seria dos
republicanos e dos yuppies, dos
reacionários e do cinema careta de roteiro, que os produtores das majors veriam como antídoto aos excessos
cometidos pelos ases da Nova Hollywood. Esta, aliás, também chega ao fim,
depois dos fracassos sucessivos de O
portal do paraíso, Touro Indomável, Um tiro na noite e O fundo coração. Aquele
momento ímpar em que o cinema de autor deu as cartas em Hollywood não tinha
mesmo como virar regra, estava fadado a ser excessão.”
(OLIVEIRA. 2015,
p. 25)
Mesmo
passados todos esses anos podemos afirmar que o cinema americano nunca mais
teve a ousadia destes anos. Claro que sempre tem um ou outro que mantém esta
chama viva. Inclusive os que ainda estão vivos, óbvio que o passar dos anos
abaixam um pouco o fogo revolucionário da mudança. Mas podemos sentir um grande
vigor em nomes como Martin Scorsese, Brian de Palma e Terrence Malick. Porém
ultimamente pode-se observar um dedo da Nova Hollywood mais na televisão que no
cinema. Com a grande revolução observada nas séries de televisão desde Sopranos observa-se o perfil de
personagens mais obscuros. É o que nota o jornalista Brett Martin no livro Homens difíceis – os bastidores de Breaking
Bad, Família Soprano, Mad Men e outras séries revolucionárias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário