O universo do circo é
recorrente na história do cinema. Talvez por um sentimento de culpa, afinal com
a profusão intensa de novas tecnologias como a televisão, o videogame, a internet
e também o cinema, o mundo circense passou por maus bocados. Sendo preterido
pelo espetáculo mais intenso que estas maravilhas modernas podem oferecer a um
público cada vez mais sedento por novidades. Claro que tem as exceções, como o
Cirque de Solei e outros, que se renovaram e ainda atraem um vasto público. Só
que este é um universo em que tem muito dinheiro por trás destas produções. O
circo que Rosemberg Cariry nos mostra é um decadente, que circula o interior do
Ceará. Onde os espetáculos não atraem ninguém e os personagens penam para
conseguir o mínimo para comer.
A trama começa quando a trupe
decide parar numa cidadezinha chamada Aracati. Neste lugar desolado, o
cotidiano deles é desnudado e entramos em contato com pessoas que confundem a
vida com a arte. Agindo ao modo picaresco dos anti-heróis da literatura de
cordel e do romanceiro popular. Vejo ecos de “Bye, Bye, Brasil” de Cacá Diegues.
Vemos uma constante fuga da companhia de Lord Cigano (José Wilker) da
modernidade. Aqui a TV é um elemento catalizador desta nova era, pois ninguém vai
mais ao tradicional circo, preferem as novelas. Os devaneios do protagonista
onde ele amaldiçoa o aparelho eletrônico são brilhantes. Nos levando a crer que
a arte circense tem sempre que fugir deste turbilhão em busca de áreas não tocadas
pela fúria da modernidade. Outra referência clara à obra de Diegues é o número de canto
de Creuza (Silvia Buarque), cantando boleros latinos. Muito semelhante ao que
fazia Salomé (Bety Faria).
A direção é elegante e cheia
de tons de cores neutras. Apesar de Rosemberg Cariry ter lançado seu
primeiro
longa-metragem em 1993, esta é apenas sua 5ª obra. Onde atinge com primor a
descrição dos bastidores do circo. Auxiliado pela maravilhosa fotografia de
Petrus Cariry, vemos cenas muito belas daquela feia cidadezinha perdida. O formato
de gravação em cinemascope dá uma ótima sensação de grandeza num ambiente intimista.
Incrível como cada elemento é bem remanejado para caber com perfeição neste formato.
Apesar dos méritos técnicos, a
melhor parte do filme são os atores. Como é bom ver uma equipe sintonizada nos
mínimos pormenores, a química é extraordinária. Afinal é muito difícil reunir num só filme
talentos como Chico Diaz, Everaldo Pontes, Gero Camilo e Silvia Buarque. Cada
um circula pela tela com todos os seus desejos e frustrações. Tendo em comum o amor
por esta arte decadente. A conversa final, depois do clímax do incêndio, é um
ponto alto do cinema brasileiro deste século. “-Temos que continuar. – Mas quem
vai nos assistir?”. E cada um segue caminhando por uma direção dos destroços da
grande lona. É como se a mensagem também fosse direcionada ao filme de arte.
Quem nestes tempos corridos e frenéticos vai parar para contemplar uma película com
estas características? Ainda bem que tem festivais com o o de Brasília para nos
oferecer este tipo de espetáculo intimista.
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